Tuesday, April 18, 2006

a inspiração começa a surgir, como uma porta que se abre
.
Em janeiro de 2002, muito antes de pensar morar em Fontanelas, tive a oportunidade de entrevistar José Valentim Lourenço para o 1.º Fila – O Jornal de Todos os Espectáculos, uma publicação com a qual colaborava na altura. Reconheço que nem me lembrava bem das estradas que conduzem a estas aldeias de Sintra. Quando dei por mim, estava em cima do palco da União Recreativa e Desportiva de Fontanelas e Gouveia, com José Valentim Lourenço e Domingos Chiolas, cada um de nós sentado em sua cadeira. Preparava-se a reposição de Gaivotas em Terra e, durante toda a conversa, foram os cenários dessa revista que lá estiveram em pano de fundo. Uma ironia do destino que me trouxe a estas paragens e que, hoje, me permite pegar nas palavras de um dos homens que mais marcou estas duas aldeias. Se quiserem, chamem-lhe uma homenagem, ou antes, se preferirem, um gesto de carinho.
.
Há quem diga que o teatro de revista é o parente mais pobre do género dramático, com as suas rábulas saloias, prenhes de uma cultura bem popular que não agrada a todos. Talvez seja esse o motivo por detrás do desinteresse dos espectadores que, na ultima década e ao contrário de outras antes, se eclipsaram do Parque Mayer. Neste contexto, o mais curioso é constatar que, durante cerca de 40 anos, o Grupo de Teatro de Fontanelas e Gouveia conseguiu a proeza de ter sempre casa cheia com as peças de teatro de revista que levou a cena. Um fenómeno de sucesso reconhecido pelas gentes da terra e da região, que em muito se deveu aos sessenta elementos que integravam o grupo e, claro, ao autor e encenador, José Valentim Lourenço.
.
A tradição começou por altura do entrudo, há mais de 42 anos. «Antigamente era costume fazerem-se cegadas de rua, por altura do Carnaval, compostas por 6 ou 7 personagens, onde já eu escrevia os textos e o Chiolas representava. Depois, como começaram a cair em desuso, optei por começar a escrever um programa de variedades.» É então que, em 1964, o grupo de teatro sobe ao palco pela primeira vez. «No primeiro ano fizemos só uma representação, mais por brincadeira, para o pessoal da terra, mas depois, como no ano seguinte as pessoas das aldeias vizinhas também começaram a vir, decidimos aumentar o número de representações.»
.
Uma carolice que cedo se transformou num caso sério no panorama nacional do teatro amador, com a produção de inúmeros espectáculos a assinalar a longa carreira do grupo. O ponto alto do reconhecimento público chega em 1976, quando apresentam em televisão a revista Que se passa Camarada?, no programa TV Palco, pela mão da actriz Amélia Rey Colaço, na época, residente em Fontanelas, e culmina na tournée que, na mesma altura, realizam pelas colectividades dos concelhos limítrofes. A partir de então, todos passam a deslocar-se a Fontanelas e Gouveia, por altura do carnaval, para assistir à qualidade de mais uma revista original e ao profissionalismo do desempenho dos actores.
.
Ímpeto Criativo
.
Na base de cada espectáculo esteve, desde sempre, o ânimo e a dedicação de José Valentim Lourenço. Nem mesmo a actividade profissional que exerceu durante anos, como proprietário de um talho, o impediu de escrever as peças onde, mais tarde, os seus familiares, vizinhos, amigos e até ele próprio brilhavam, ao dar vida a outras personagens. O gosto pela escrita, herdado do avô, aliado à paixão pela revista que, por diversas vezes, o levava ao Parque Mayer, foi determinante para começar a compor versos que adaptava às canções populares mais conhecidas.
.
Nunca teve uma fórmula fixa para criar os textos que encenava. Simplesmente se mentalizava para escrever, nunca à noite e sem se disciplinar a escrever uma cena por mês, sempre que trabalhava numa peça especifica. «A inspiração começa a surgir, como uma porta que se abre», afirmou. A cada nova revista, José Valentim Lourenço explorava temas diferentes mas que, de uma forma ou outra, teciam sempre uma paródia à realidade nacional e se relacionavam com elementos característicos à região, como o mar e a serra. No fundo, cedo se percebeu que, para conseguir risos na plateia, apenas bastava, «normalmente, pegar no dia-a-dia e transformá-lo em comédia».
.
Depois do processo criativo individual, quando os textos – muitas vezes já escritos a pensar no potencial de cada actor que tão bem conhecia – estavam prontos, chegava a fase de encenar em grupo e escolher as músicas para compor as rábulas. Esse era um processo que, todos os anos, obedecia ao mesmo rigor. Iniciava sempre «o ensaio um mês antes do espectáculo», com uma periodicidade diária, entre as 21 horas e a uma da manhã, embora o horário fosse flexível consoante a profissão de cada elemento do grupo. Uma forma encontrada para que «assim, ninguém tenha tempo para se esquecer daquilo que aprende». E a verdade é que, apesar do ritmo intenso, o encenador jamais teve razão de queixa. « A malta entrou para o grupo e continuou, porque ganhou amor. Eu nunca tive dificuldade em arranjar actores.»
.
Espirito Comunitário
.
O dado mais curioso que marcou a história única do Grupo de Teatro de Fontanelas e Gouveia e, claro, do seu grande impulsionador, José Valentim Lourenço, foi o espirito de generosidade que lhe esteve sempre subjacente. Ao contrário de outros grupos amadores, além de nunca terem recebido apoio monetário para levarem a cena cada revista, ainda foram as próprias receitas dos seus espectáculos que serviram para colmatar algumas lacunas existentes na comunidade local.
.
Sempre que uma nova revista começava, o dinheiro já tinha um destino específico. Para que conste, foram eles que trabalharam, durante muitos anos, para a capela de Fontanelas, que conseguiram, com os fundos do teatro, construir de raiz a capela de Gouveia, assim como o palco da colectividade de Fontanelas e Gouveia, por onde já passaram tantos talentos. Nos últimos anos, as recitas já estavam a ser destinadas à construção do centro de dia, por agora, ainda inexistente.
.
E isto que não signifique que montar um espectáculo de teatro deste género seja pouco dispendioso. Basta fazer contas aos custos de produção e pensar, por exemplo, na criação de figurinos ou dos cenários. Mas José Valentim Lourenço estava consciente da qualidade do grupo que encenava. Afirmou: «Se não tivéssemos uma garantia de público nos espectáculos, não nos permitiríamos a uma despesa destas.» Do mesmo modo que trabalhou, com simplicidade e com aquele brilhozinho nos olhos, para que cada espectador daqui saísse mais satisfeito e para que, os que cá moram, se possam regozijar com a sua aldeia, «apesar de pequenita».

4 Comments:

Blogger Marco Lourenço said...

o texto é de Angela Antunes, adaptado da resportagem do da 1ª Fila.

apetceia-me fazer este gesto de carinho, fez hj 3 anos.

beijos

1:54 PM, April 18, 2006  
Anonymous Anonymous said...

Very pretty site! Keep working. thnx!
»

2:06 AM, August 12, 2006  
Anonymous Anonymous said...

Hmm I love the idea behind this website, very unique.
»

8:03 AM, August 17, 2006  
Anonymous Anonymous said...

adorei mesmo o texto. moro nesta aldeia há tanto tempo e não fazia ideia de certas coisas que ai estão mencionadas. sempre soube que o teatro tinha um grande impacto mas nunca me apercebi que não eram apenas as pessoas que vivem aqui perto e conhecem gente da terra que aqui vêm.

2:23 PM, June 23, 2008  

Post a Comment

<< Home